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Yu Yu Hakusho mantem a chama do Shonen acesa

O gênero Shonen atingiu seu apogeu quando a indústria do mangá expandiu seu alcance para o público americano que absorvia as histórias de ação e aventura sobre a eterna batalha entre o bem e o mal. No entanto, trazer o mesmo sucesso para a mídia live-action tem se mostrado difícil, deixando os fãs desconfiados de que suas franquias favoritas recebam adaptações. Sem dúvida, quando a plataforma de streaming Netflix anunciou seus planos de reviver Yu Yu Hakusho em 2022, ela dividiu o fandom, mesmo que o recente live-action de One Piece tenha lhes dado um pequeno raio de esperança.

Embora tenha havido um aumento recente de programas shonen com temas sobrenaturais, vem à mente uma franquia que não é apenas a pioneira do subgênero, mas também serve de inspiração entre muitas outras. E esse é Yu Yu Hakusho de Yoshihiro Togashi. Sendo uma aclamada série de anime e um mangá popular que vendeu mais de 78 milhões de cópias em todo o mundo, é razoável acreditar que o diretor Shou Tsukikawa e o escritor Tatsurou Mishima estavam bem cientes da tarefa que tinham em mãos enquanto lideravam a adaptação live-action da Netflix. Takumi Kitamura interpreta Yusuke Urameshi, um delinquente do ensino médio encarregado de remover a presença demoníaca do mundo dos humanos como um Detetive Espiritual. Shuhei Uesugi interpreta seu melhor amigo e rival, Kazuma Kuwabara, com Jun Shison e Kanata Hongou substituindo Kurama e Hiei. O show segue os quatro enquanto eles entram em apuros contra humanos gananciosos e Yokais (demônios).


Yu Yu Hakusho começa com Yusuke Urameshi percebendo que seu tempo nesta Terra acabou. O enquadramento da cena pode chocar o público não iniciado. A emoção de ver a história do protagonista terminar antes mesmo de começar é um gancho inteligente. A história se desenrola quase como o material original, onde o episódio piloto estabelece Yusuke como um delinquente com um coração de ouro. Sua morte prematura se relaciona com Koenma, o governante do Mundo Espiritual que impede a colisão dos reinos dos humanos e dos demônios. Desde o início, o show investiga o elemento sobrenatural da trama, usando-o para explorar um mundo escondido dos olhos de humanos. O primeiro episódio dá o tom para o resto do show. Com os demônios causando estragos e as pessoas não agindo melhor, a amargura e a melancolia abundam e alimentam as forças antagônicas, deixando os heróis à frente. Surpreendentemente, embora o enredo dependa da exposição para se desenvolver nos estágios iniciais, ele também passa a mesma quantidade de tempo nas cenas de luta. Um shonen como Yu Yu Hakusho inevitavelmente tem muita luta. Então, do ponto de vista da ação, a adaptação da Netflix definitivamente cumpre com o esperado.

Não há nada de complexo nos personagens principais, cada um com suas motivações bem definidas. Suas lutas constituem a pedra angular de suas histórias de fundo. Mas a história mostra tudo isso através das provações e tribulações de Yusuke, tornando o enredo mais sobre o protagonista do que sobre a jornada pessoal do resto do elenco. Ninguém pode culpar o diretor Shou Tsukikawa por colocar Yusuke na vanguarda da série. Yu Yu Hakusho adapta ambiciosamente a saga Spirit Detective, que abrange cinquenta e um capítulos e os condensa em um arco de cinco episódios. No processo, a trama teve que eliminar narrativas desnecessárias sobre ganho de poder e antagonistas demoníacos. Mas o maior sacrifício veio em termos de humor. O público raramente vê as personalidades dos personagens fora das cenas de luta, limitando o escopo da dinâmica que os personagens poderiam ter na tela.



Um dos desafios que o programa enfrenta é trazer o estilo do material original para a tela. A estética do mangá representa uma época passada. Yoshihiro Togashi escreveu o mangá nos anos 90, numa época em que a delinquência juvenil do Japão estava em declínio, mas ainda era uma parte ativa do cenário. Sem nada que se comparasse aos dias de hoje, mostrar a mesma cultura “Yankii” ao público moderno, que também inclui telespectadores internacionais, foi sem dúvida uma tarefa árdua. O período do show fica ambíguo, deixando apenas os uniformes escolares que os personagens usam e os penteados desatualizados como uma lembrança persistente do passado. Do icônico gakuran (uniforme tradicional de rapazes) verde de Yusuke ao cabelo azul de Botan, Yu Yu Hakusho faz um esforço concentrado para permanecer fiel aos designs originais dos personagens, apesar da forma como eles colidem com a visão fundamentada da história.

Sacrificar seu humor e loucura por um enredo mais simplificado significa que o programa perde muitas das alegorias divertidas dos personagens do material de origem. Alguns personagens podem evoluir no futuro, mas isso certamente torna as ideais sobre reinos demoníacos e espirituais mais palatáveis para os espectadores, sem distraí-los de travessuras desnecessárias.

O ator Takumi Kitamura conhece bem as adaptações live-action, já tendo interpretado o personagem principal do filme live-action Tokyo Revengers e sua sequência. Desta vez, ele aborda o sensato Yusuke Urameshi com um ar melancólico, muito alinhado com o caráter sério da trama. Por trás da arrogância, Kitamura exibe perfeitamente o lado mais suave do personagem, escondendo-se atrás de um ou dois sorrisos. Kitamura vai longe como artista e incorpora o gosto de Yusuke pela luta enquanto dá tudo de si nas cansativas cenas de luta. Acompanhando-o estão Sei Shiraishi como Keiko Yukimura, que desempenha o papel com solene gentileza, e Shuhei Uesugi como Kazuma Kuwabara. Assim como no mangá, Kuwabara possui o maior arco de desenvolvimento de personagem. Ele muda drasticamente à medida que ele e Yusuke passam de rivais a competidores amigáveis. Uesugi leva a personalidade de Kuwabara ao máximo e é divertido de assistir, graças ao seu timing cômico.

As adaptações para live-action geralmente têm uma má reputação por seguirem direções diferentes das do mangá ou anime. Yu Yu Hakusho força Yusuke a passar por um treinamento rigoroso e ganho de poderes por meio de brigas em quase todas as cenas em que está, para que a história possa chegar ao clímax. A estrutura básica da trama negligencia os outros personagens principais, que têm uma janela apertada para mostrar seus poderes. Tanto Hiei quanto Kurama são relegados a personagens coadjuvantes em vez de estarem em pé de igualdade com seu aliado humano. O show se precipita para trazer alguém tão ridiculamente forte como Toguro como o chefe final, mesmo antes de Yusuke poder se tornar um personagem agradável. Uma das coisas vitais que Yu Yu Hakusho perde é o desenvolvimento emocional, uma alegoria regular em Shonen. O ator de Toguro, Go Ayano, retrata maravilhosamente sua angustia através de seu comportamento mal-humorado, mas a narrativa nunca vai à profundidade de sua tristeza, contentando-se em tratá-lo como um vilão que tomou decisões equivocadas logo antes do fim.

Ainda assim, Yu Yu Hakusho consegue capturar a essência do mangá através de suas cenas de luta. A coreografia de ação é de primeira linha, com energia emanando de cada soco e chute que os personagens lançam em seus oponentes. Com a mixagem de som e os efeitos sonoros (foley) adicionando uma sensação de reverberação, os fãs do anime terão uma surpresa ao ver seus momentos favoritos reencenados na tela. Desde saltar obstáculos até realizar acrobacias perigosas em carros, o esforço emocionante investido na ação está à vista de todos. Em meio à pressa, o CGI pode ser errático. Um fenômeno cultural tanto no Brasil, EUA quanto no Japão, muitos se lembram de Yu Yu Hakusho com carinho, principalmente pela inesquecível dublagem da série animada que volta a emocionar na atual adaptação. A adaptação da Netflix está longe de ser perfeita, mas a decisão de adaptá-la fielmente em um cenário japonês, envolto em ação de ponta a ponta, pode ser motivo suficiente para o público em todo o mundo dar uma chance ao programa.

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